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O perfil do treinador no futebol de formação (parte 2)
O prazer em jogar futebol e a paixão pelo jogo devem ser desenvolvidos em todos os momentos. O treinador tem que ser o primeiro a promover este prazer em jogar futebol e tem, ainda, que entender que as suas atitudes podem influenciar essa paixão do jovem praticante. 

É com grande orgulho que recordo uma história que me vai marcar para o resto da vida. Uma professora pediu aos alunos para fazerem uma composição sobre o seu ídolo, e o meu atleta escolheu o seu treinador. Mais do que qualquer medalha, mais do que qualquer euro, esta foi, sem dúvida, uma das minhas mais saborosas vitórias enquanto treinador de futebol de formação. Aqui pude sentir que a paixão com que vivia cada treino, cada jogo, cada instante com “os meus meninos” era sentida/valorizada por eles.

O treinador tem uma influência gigantesca sobre os jovens, e tem que ter consciência/tirar partido disso mesmo. Qualquer um destes jovens atletas cria um “pequeno problema” aos pais todas as manhãs para ir para a escola, mas ao sábado, quando têm que acordar às 6 horas da manhã para ir jogar, nem precisam do despertador, tal é a sua vontade de fazer o que mais gostam (PAIXÃO por jogar futebol).

Ora, se temos os índices de motivação elevadíssimos, temos que perceber que qualquer atitude negativa da parte do treinador vai marcar negativamente o jovem atleta. É fundamental existir a sensibilidade do treinador para isto. O atleta passa a semana inteira a pensar no jogo do fim de semana. Se, no dia do jogo, o treinador não lhe der nem um minuto de jogo, como se vai sentir este atleta? Pior do que isso é que, posteriormente, grande parte dos treinadores que o fazem, não perdem um minuto a dar uma palavra aos jovens. Esta postura é, na minha opinião, condenável. O treinador deve conceder tempo de jogo a todos os atletas convocados (no caso do futebol de 7, onde isso é possível), ainda que mais ou menos tempo. É uma gestão sua, que deve ser feita com bom senso. Em Aveiro, já temos, também, esta possibilidade nos campeonatos de futebol de 11 distritais, o que também é fantástico para o desenvolvimento destes jovens. 

A conduta do treinador na relação com os árbitros, treinadores adversários e outros intervenientes deve, também, ser feita de forma cuidadosa, com uma linguagem correta, respeitosa e sempre numa linha de que um jogo de futebol não é uma guerra. A vontade de ganhar deve estar sempre presente, mas enquanto formador, não pode pedir aos jovens que vençam a qualquer preço. Deve incutir-lhes um espírito ambicioso, de querer ser melhor do que o adversário, de luta constante pelos objetivos da equipa, mas que isso seja possível sem atropelar ninguém. O adversário também tem mérito, o adversário também trabalha diariamente para ser forte. Se ganhou hoje, devem parabeniza-lo e trabalhar arduamente para o vencer na próxima vez que o defrontar. A mensagem que o treinador vai passando é extremamente importante, é mais poderosa do que a de outra pessoa qualquer. 

A intervenção do treinador no treino é uma das chaves do sucesso. Não é o que deixa fazer tudo o que os jovens querem que é o melhor treinador, assim como aquele que é rígido ao máximo no cumprimento dos seus planos pouco motivadores também não o é. A planificação de um treino de jovens deve ter sempre em conta o caráter lúdico, principalmente nas idades mais baixas, onde a recriação é fundamental. Penso que o aspeto técnico é o que deve merecer maior atenção por parte dos técnicos. A relação com a bola deve ser o ponto de partida para tudo o resto. O jovem tem que se familiarizar com a bola, controlá-la como um membro do seu corpo e não “ser mais rápido do que a bola” ou “controlar o jogo sem a bola”.

As pausas devem ser muito curtas e evitadas ao máximo. O treino tem que ser, essencialmente, um momento de prática, de repetição, de vivência e não de longas palestras ou de filas de espera. A emissão de feedbacks positivos deve ser constante, e os negativos não devem ser muito utilizados pelo treinador. A qualidade da execução deve ser uma preocupação constante. 

A relação dos treinadores com os pais dos atletas é defendida por alguns treinadores como algo que não deve passar de um “bom dia” ou “boa tarde”, mas eu defendo que ela deve ser muito mais do que isso. O clube terá necessariamente que ter um papel primário nesta “relação”, vincando bem no início de cada época como esta pode decorrer. Que fique bem claro que esta relação a que me refiro é apenas profissional e tem, forçosamente, que ser igual para com todos os pais da equipa.

Os pais dos atletas, são peças chave no futebol de formação. Têm um papel muito importante e, como tal, o treinador tem que usar isso para enriquecer o seu trabalho. Em primeiro lugar, uma relação de tensão entre o treinador e o pai de um atleta fragiliza, em grande parte dos casos, a relação do treinador com o atleta. Em segundo lugar, se os parâmetros da relação forem bem definidos de início, e se o treinador tiver capacidade para os cumprir escrupulosamente, esta pode ser vantajosa para todas as partes (entenda-se clube, pais, treinador, equipa). Em terceiro lugar, o treinador tem que entender que o pai (sendo uma pessoa educada e respeitadora) tem o direito de conversar com o treinador sobre o seu filho, ainda que eu defenda que esta conversa deve ser sempre presenciada por um elemento da Direção do clube.

Tal como na escola o pai pode falar com o professor, não vejo razão para o pai do atleta não poder falar com o treinador e perceber como está o desenvolvimento do seu filho, assim como o contrário. O treinador pode, ainda, usar esta comunicação para tentar perceber um momento menos bom do atleta. Também sei que há pais que procuram os treinadores de forma exaltada. Aí, compreendo que o treinador não deve conversar com o mesmo nesse momento. Mas tudo isto me parece uma questão de comunicação: se ela for existindo, dificilmente se chegará a climas de exaltação. 

Aos treinadores da formação, quero deixar uma mensagem: “Põe quanto és no mínimo que fizeres”, transmitam a paixão aos jovens, dediquem-se a eles e lembrem-se sempre que, mesmo que não saia dali um futebolista, terá forçosamente que sair um Homem, que um dia vos orgulhará.

Tiago Oliveira
Treinador de Futebol UEFA PRO LICENCE
2 de Novembro de 2016
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