O futebol a caminhar é o tiki-taka para a felicidade

E se lhe dissessem que há semelhanças entre o Walking Football e o famoso tiki-taka do Barcelona? Acredite que, se as regras da modalidade direcionada para o bem estar da comunidade sénior forem cumpridas, a única diferença para o sistema de jogo eternizado pela equipa catalã é que não é permitido correr. Em Santa Maria da Feira, 30 atletas dos polos de Canedo e São João de Ver evitam o isolamento social e caminham na direção da felicidade com uma bola de futebol ao seu lado… e novos amigos.

São três as regras básicas do Walking Football, futebol a caminhar numa tradução literal, modalidade que nasceu em Inglaterra, em 2011, e que criou raízes em Portugal há cerca de quatro anos, sendo praticada por atletas dos 8 aos 80 anos. A primeira é a proibição de correr, para que faça jus ao nome. Além disso, a bola não pode ser jogada acima da cintura, não pode existir contacto físico e cada jogador não pode dar mais de três toques no esférico. No sistema de jogo do Barcelona que ficou conhecido mundialmente como tiki-taka reconhecem-se alguns procedimentos que até são regras do futebol a caminhar. E se na Catalunha se promove a posse de bola, nas equipas de César André Coelho é sobretudo a alegria entre os praticantes que se exorta.  

O treinador pesquisou sobre este desporto em 2017, acabando por o sugerir ao município de Santa Maria da Feira, que decidiu incluí-lo no Programa Movimento e Bem Estar. Num ápice, de três praticantes passou a ter 30. “O que aconteceu foi que o amigo começou a trazer o amigo e foi-se passando a palavra entre a comunidade sénior. E quem experimentou o Walking Football rapidamente percebeu que as regras permitem que a modalidade seja segura, o que é importante na idade deles”, revela o treinador, que vê o entusiasmo a crescer. Isso obriga-o, por vezes, a colocar “água na fervura”. “Há uma coisa absolutamente extraordinária. Todos eles, a partir do momento em que a bola começa a rolar, passam a ter outra vez 15 ou 16 anos. Às vezes o treinador tem de falar alto e aconselhar calma por causa do instinto competitivo que se potencia, porque há obviamente uma ética neste desporto”, conta.



César André Coelho também é treinador da equipa de juniores do SC São João de Ver. Divide o seu tempo no futebol entre duas metodologias diferentes, revelando que “o diferencial de idades se anula mediante as cargas físicas que se adequam a cada atleta”. “No Walking Football, a regra básica em cada treino é que cada um faz um exercício ao seu ritmo, faz o que pode. Mas também quero que eles saiam do treino com a sensação de que houve um esforço”, explica, evocando a sociabilização como a maior das vitórias entre os praticantes da modalidade. “Quem já praticou modalidades coletivas sabe que, através delas, se fazem grandes amizades. Essa é a grande mais-valia do projeto Walking Football, porque a população mais velha tende a isolar-se. Com esta modalidade criamos uma comunidade, somos inclusivos. Também fazemos outras atividades para além dos treinos, como convívios. É reconfortante ver a alegria desta gente espelhada no rosto de cada um, nos treinos ou nos encontros”, realça.

“Quero correr, mas o treinador não me deixa”
José Duarte chegou a praticar atletismo, modalidade que abandonou há quase duas décadas. Aos 74 anos, começa a dar os primeiros passos no Walking Football. “Decidi experimentar. No início, nem gostei, porque eu pratiquei atletismo. Aqui também quero correr, mas o treinador não me deixa”, explica, destacando a oportunidade de sociabilizar com os colegas. “Isto é bom é para quem estiver parado em casa. É um bom divertimento. Faço aqui amigos e damo-nos bem uns com os outros. Até fazemos jantares”, afirma. José Duarte diz que é “um jogador que gosta de se divertir” e “aproveitar os benefícios” da modalidade. “Acho que sou o mais fraco do grupo, porque os outros sabem dominar e passar bem a bola, mas o que fica no final do dia são as amizades”, admite.

Para Mateus Silva, de 75 anos, a primeira abordagem ao Walking Football foi de negação, já que tinha preferência pela ginástica. Contudo, ficou convencido depois das amizades conquistadas. “Disse ao meu treinador de ginástica que ia ver o andamento dos treinos de futebol. A verdade é que, quando aqui cheguei, não conhecia ninguém e agora sou amigo de toda a gente”, revela, percebendo que “faz sentido caminhar no futebol”. “Não anda aqui ninguém novo e o importante é que façamos isto sem nos magoarmos”, admite. Mateus Silva considera que a modalidade revela a sua boa forma física, mas confessa ter perdido o estatuto de goleador. “Ao início dava um bocado de baile a marcar golos, mas, entretanto, chegaram aí outros jogadores, mais abispados, que já conseguem cortar-me as bases. Não me dão espaço para jogar”, atira.



Quem também está familiarizada com o futebol é Rosa Reis. A septuagenária tem seis filhos, sendo que quatro deles jogaram futebol. “Ia para todo o lado só para os ver jogar”, recorda. Agora é a sua vez de mostrar atributos, mas a caminhar. “Não tive qualquer problema em adaptar-me, até porque ainda vou duas vezes por semana à ginástica e uma vez à piscina”, explica, admitindo que gosta de “meter golos na baliza”. “Não gosto é quando não me passam a bola. Fico enervada”.

Já Amélia Mendes, 56 anos, decidiu abraçar a modalidade por conselho do médico, que lhe diagnosticou diabetes. “Tinha de começar a fazer exercício e, como este é um jogo mais calmo, aceitei continuar. Adorei isto desde a primeira vez que joguei”, conta, confessando que “o convívio também é muito importante”. “Eu até nem sou fanática por futebol, mas gosto que o meu FC Porto ganhe. Aqui fiz muitos amigos e dou-me com toda a gente. Sinto-me mais feliz a fazer isto e chego a ficar triste nos dias em que não posso vir”, conclui.

Fotografia
Samuel Martins


*Esta reportagem foi realizada antes do cancelamento das competições da AFA

8 de Agosto de 2020
Vítor Hugo Carmo
geral@afatv.pt
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