Eunice Mortágua despede-se da arbitragem: "Fiz grandes amigos e conheci pessoas fantásticas"

Muito provavelmente, o nome Eunice Mortágua dir-lhe-á algo mesmo que não vá muito à bola com o futebol. Há dois anos, a árbitra, natural de Aveiro, foi notícia por ter auxiliado, no mesmo dia, duas crianças em partidas distintas, “uma com convulsões e outra que entrou em paragem cardíaca”. Esse foi o momento “mais difícil e que mais marcou” uma carreira que chegou ao fim, ao cabo de 26 anos de dedicação, no jogo de atribuição da Supertaça no escalão Sub-23.

A homenagem na despedida surpreendeu a árbitra, que tinha convidado alguns amigos para presenciarem aquele momento simbólico, mas não sabia que lhe iriam entregar um quadro e um ramo de flores no final. “Estava lá o meu filho e foi gratificante notar que nestes anos todos na arbitragem consegui fazer grandes amigos e conhecer pessoas fantásticas. Sou amiga delas, isso vai ficar para vida. Foi o que o futebol me deu”, diz, sem conseguir esconder a emoção que ainda lhe invade a alma.

Foram 26 anos ligada a uma paixão que a levou até a perder muitos momentos com o filho, “porque saía de manhã para apitar jogos e só chegava à noite”, para além dos naturais constrangimentos de quem sempre conciliou a vida de árbitra com uma profissão. “Trabalhei num restaurante, tomei conta de idosos e de crianças e agora estou como empregada doméstica. Quando fui chamada para fazer torneios lá fora não foi fácil à entidade patronal deixar-me ir, mas tinha de ser e lá conseguíamos resolver tudo”, conta.

Na juventude, Eunice ganhou o “bichinho” pela arbitragem às custas do pai, João Marques Mortágua, também ele árbitro. “Aos fins de semana ia com ele para os jogos e, assim que pude, tirei o curso”, recorda, ela que, ao longo da carreira, teve em Olegário Benquerença e Pedro Proença, atual presidente da Liga de Clubes, as principais referências. “Conheci-os pessoalmente e identifiquei-me com a personalidade deles. São pessoas que falam, brincam, mas quando tem de ser, é”, explica.

A carreira de árbitra teve vários momentos altos, como quando integrou, em março, uma comitiva de três árbitros da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) que marcou presença num torneio no estado norte-americano da Flórida, “um mundo totalmente diferente do nosso”.

Foram também momentos como esse que ajudaram a superar as agruras inerentes ao papel do árbitro no universo futebolístico. “Continuamos a ser os maus da fita”, lamenta Eunice Mortágua, garantindo que ainda há “muito chão para andar” nesta matéria. “Já nos aceitam mais, tanto o público como os jogadores, mas a mentalidade ainda não mudou muito. As pessoas têm de perceber que o árbitro também trabalha durante a semana, faz os seus treinos e que não é fácil conciliar esta carreira com a vida familiar. O árbitro quer dar o seu melhor, mas nem sempre corre bem”, refere.

Durante as quase três décadas de carreira, Eunice viu o mundo, e também o futebol, mudar bastante perante os seus olhos e sente ter tido um papel nessa evolução. “Não só eu, como também várias colegas que já estão cá há muitos anos. Ajudámos a ver que tudo é possível”, acredita, elogiando “o trabalho fantástico” das árbitras mais jovens: “Já temos assistentes na Liga e mais árbitras internacionais. Abrimos caminho e elas estão a demonstrar que também são capazes”.

Aos 48 anos, Eunice Mortágua não se vê a desligar do futebol ou da arbitragem. “Estou como diretora da APAF e, na AFA, quero continuar como observadora. Já tirei o curso e quero estar disponível para a Associação no que ela precisar”, remata.

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17 de Junho de 2023
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