O mundo encantado das mascotes com que os clubes cada vez mais sonham

Neste mundo encantado, de uma alegria contagiante e onde impera o fair-play, a imaginação é uma lei fundamental. Pelo distrito de Aveiro, há uma raposa a contar a história do concelho de Santa Maria da Feira, um leão que ainda no último Natal andou pelas ruas de Lourosa a surpreender quem por lá passava, um cão a tentar cativar os miúdos de Barcouço a juntarem-se ao clube local, e até uma rolha, personificação do espírito corticeiro de Santa Maria da Lamas, que pretende homenagear o povo e os adeptos locais. As mascotes começam a ganhar o seu espaço no mundo da bola, uma aposta com “uma relação entre investimento e retorno muito interessante”, defende João Rocha, gestor de promoção da Liga Portugal. A aproximação aos adeptos e a liberdade de agir e de comunicar de uma forma diferenciada justificam largamente a aposta.

Em novembro do ano passado, a mascote do Arsenal, o “Gunnersaurus”, foi despedida pelo clube. O motivo? Redução de custos, devido aos efeitos da pandemia de Covid-19, que convidavam a abdicar da figura uma vez que os jogos se realizariam à porta fechada, situação que ainda hoje se mantém. O que se seguiu certamente não estaria na cabeça de quem tomou aquela decisão. Os adeptos, que se habituaram a contar com a boa disposição do dinaussauro verde vestido com a camisola encarnada dos “gunners”, criticaram a medida e até Mezul Ozil, na altura jogador do Arsenal, se juntou aos protestos. Em causa estava, também, o emprego de Jerry Quy, que desempenhava aquele papel há 27 anos, e isso fez com que o internacional alemão se disponibilizasse a suportar o ordenado do animador para que pudesse permanecer no clube, o que viria a suceder.

A história comprova que os laços criados entre mascotes e o meio que as rodeiam podem tornar-se sólidos, ao ponto de superarem situações limite como a que viveu o “Gunnersaurus”. Em Portugal, o fenómeno vai ganhando força. O “Jubas”, a mascote do Sporting, já foi, inclusivamente, motivo de uma tese de mestrado e, nos últimos anos, foram vários os clubes que se juntaram à ideia.

“As mascotes permitem aos clubes e à Liga muita exposição de marca e, assim, posicionarem-se perante o público da forma que pretenderem”, defende João Rocha, que acredita que as figuras animadas “deixaram de ser, simplesmente, um ativo para comunicar para audiências mais jovens, passando a fazê-lo para todos os adeptos e pessoas que gostam de futebol”, o que leva a que “a aposta nelas seja maior e mais significativa, nos últimos tempos”. Para além disso, “o investimento necessário não é muito grande e elas acabam por beneficiar os clubes menores, porque conseguem fazer com que a sua marca crie envolvimento com as suas audiências”, acrescenta.



Para o gestor de promoção da Liga Portugal, as mascotes permitem “fazer uma comunicação mais apelativa, fora da órbita do futebol puro e duro, e que apele ao fair-play, de uma forma mais descomprometida e criativa”. Tudo isso é valorizado pelo organismo que tutela o futebol profissional português, que, em 2019, criou o “Ligas”, com o mesmo propósito. Entretanto, foi criado um prémio para distinguir a melhor ação do mês, que abrange todas as mascotes dos clubes da Liga NOS e da Liga Portugal 2 SABSEG. “É um prémio simbólico, que visa promover o trabalho dos clubes nesta área”, refere João Rocha. Em novembro do ano passado, o “Billas”, criado pelo CD Feirense em 2018, venceu-o com a iniciativa “Billas on tour”, na qual deu a conhecer locais emblemáticos e adeptos carismáticos do clube de cada uma das 21 freguesias do concelho da Feira.



O nome da mascote remete para meados do século passado, quando Santa Maria da Feira era ainda uma vila e os adeptos do CD Feirense apelidavam o clube de “Billas”. Veste a camisola 18, em alusão ao ano da fundação da coletividade, 1918, e tem o formato de uma raposa, um recuo à história medieval da Feira, altura em que havia muitas raposas por ali. A mascote tem uma página no Instagram e tem-se desdobrado em diversas iniciativas, como ações de limpeza e reciclagem ou de cariz solidário. Também já ensinou os mais novos a fazerem bolachinhas e fogaças, doce tradicional daquele concelho, e ofereceu castanhas nas ruas da cidade, no São Martinho.

No último Natal, o “Billas” distribuiu camisolas do CD Feirense a todas as mascotes da 1.ª e da 2.ª Liga. Por essa altura, ali bem perto, “Leo”, a mascote do Lusitânia FC, passeava-se pelas ruas da cidade de Lourosa e ia surpreendendo quem encontrava pelo caminho. Essa foi a mais recente ação do leão lourosense, entretanto confinado ao seu covil, devido à pandemia. Nasceu em 2019, num ano em que havia três jogadores com o seu nome no plantel lusitanista. Só por aí já se criou algum interesse em torno de uma figura “com um ar querido e com a qual é fácil criar-se empatia”.



Ao apostar numa mascote, o Lusitânia de Lourosa FC pretendia “aproximar os mais jovens do clube, apesar de toda a gente reagir a ela”, explica Ricardo Dias, do departamento de comunicação. O projeto viu a luz do dia em 2019 e, de lá para cá, “Leo” tem estado presente em todos os momentos de aproximação do clube a sócios, adeptos e à comunidade local. “Tem resultado muito bem. A mascote vai às escolas, até porque queremos criar ligações fortes com as novas gerações, e está presente sempre que é possível incluí-la nas nossas campanhas”, acrescenta.

Bem diferente foi o contexto que levou à criação do “Corky”, a novíssima mascote do CF União de Lamas, apresentada pelos canais digitais do clube neste mês de fevereiro. O nome – “feito de cortiça”, numa tradução livre – e o formato – uma rolha de cortiça – pretendem “representar os adeptos e a comunidade lamacense, a maior parte dela corticeira”, explica Manuel Pinto.



O responsável pela área da comunicação e marketing do clube espera que a figura se torne “num símbolo e numa referência para adeptos e habitantes de Santa Maria de Lamas, com o objetivo de aproximar as pessoas ao clube e vice-versa”. Para ajudar a esse desiderato, o CF União de Lamas, do Campeonato SABSEG, levou a cabo uma angariação de fundos para reunir a verba necessária à criação da mascote, orçada em cerca de 2 mil euros.

“Quisemos que cada um dos que contribuíram sentisse um bocadinho de si naquilo que é a mascote”, explica o responsável. A ideia vingou e só falta que o futebol regresse para o “Corky” fazer a sua primeira aparição pública. “Com a mascote, pensamos vir a ter atividades que acabem por transmitir valores aos jovens e às crianças, sejam elas nas escolas ou no nosso recinto, quando pudermos ter público. Também queremos associar-nos a outras causas, como a reciclagem de rolhas”, enumera Manuel Pinto.

Quem também se quer ligar aos mais novos através de uma mascote é o FC Barcouço, clube do concelho da Mealhada cuja equipa principal de futsal compete no Campeonato Grande Hotel de Luso. A ideia partiu do treinador, Nuno Pestana, que desenvolveu sinergias com um dos patrocinadores do clube para recrutar o “Busca”, um cão que pretende animar os jogos da equipa principal.



“Tínhamos pensado em criar algumas ações para, nos intervalos dos jogos, convidar pessoas da bancada a participarem no bola na trave ou para tentarem fazer um golo numa rede com buracos nos cantos. Queríamos criar interatividade entre o público, a equipa e o clube, mas não foi possível”, lamenta o técnico, em alusão à paragem das competições distritais devido à pandemia. Quando as restrições forem levantadas, o “Busca” poderá desempenhar um papel importante para cativar público aos jogos e “chamar miúdos para jogar na formação do Barcouço”, acredita Nuno Pestana.

“Todos os clubes com mascotes são dinamizadores. Elas passam a ser intervenientes antes, durante e depois dos jogos e as pessoas até vão ao pavilhão de propósito para as ver”, defende o treinador. Ricardo Dias, pelo Lusitânia de Lourosa FC, concorda com a ideia e aconselha “outros clubes, assim como empresas, a adotar esta estratégia”. Porque uma mascote é, hoje, muito mais do que um amuleto. Quem o entender ficará mais perto da sorte grande, a de levar o seu clube mais longe sem que tenha de marcar um golo sequer.

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20 de Fevereiro de 2021
Rui Santos
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